Vizinhos
"Vejo-os desde a porta da minha varanda. Fico ali, meio escondida a observar-los. Ao fim de semana tomam o pequeno almoço à hora de almoço. Eu sei, porque consigo ver as torradas, os queijos, as compotas, os ovos e o sumo de laranja. Há dias em que até acho que consigo sentir o cheiro do chá de hortelã. Ele vai trazendo tudo, ela chega depois. Da-lhe um beijo em jeito de agradecimento. Demoram-se ali, a comer ao sol, a disfrutar do bom tempo, a observar a cidade e o rio, com musica numa coluna. Há sempre musica nos pequenos almoços tardios deles. Conversam. Trocam olhares cúmplices. Os dois com roupa de cama, com cara, sorriso e languidez de quem esteve na cama. Fico ali, meio escondida a observa-los. Da minha casa não se ouve musica. Nunca se ouve musica. Ouvem-se apenas vozes alteradas das inúmeras discussões que temos todos os dias. Na nossa varanda, exactamente igual à deles, não há uma pequena mesa de ripas de madeira, com duas cadeiras a condizer, para pequenos almoços tardios. Não consigo evitar ter alguma inveja daqueles momentos que partilham, meio despidos, sem pudores nem vergonhas. Como se não existisse nada mais para além deles. Ela, de cara lavada, cabelo aos caracóis, num apanhado desleixado que parece ter sido feito de propósito. Empoleira as pernas desnudas na parede e ali fica, de olhos fechados, café na mão, a sentir o sol. Ele, de olhos postos nela. Sempre de olhos postos nela. A varanda deles agora tem um chapéu de sol, que decoraram com luzes coloridas. Quando a noite fica amena, partilham um gin, sentadas na pequena mesa de ripas de madeira, acendem algumas velas e as luzes, as tais luzes coloridas que colocaram no outro dia no dito chapéu, acendem-se e dão um ar de festa à varanda. A festa deles. Para a qual não fui convidada. Faz-se tarde. Fica frio. Trazem um agasalho e ali ficam, olhos postos nas luzes da cidade, olhos postos um no outro, copo na mão, a cantarolar musicas antigas ou simplesmente a divagar sobre tudo e sobre nada. Num amor que parece sempre de lua de mel. E eu, não resisto a ficar ali, meio escondida, a observa-los."