Faz hoje um ano, fazia a minha ultima viagem de trabalho antes da pandemia. Há um ano que não ponho os pés dentro de um avião. Há um ano que não saio de casa para ficar num hotel, seja em férias ou em trabalho (com excepção de um fim de semana em Junho). Coincidência ou não, esta noite sonhei com embarques, aeroportos e viagens da avião a noite inteira. Foi uma mudança radical, passar de viajar todas as semanas para estar há um ano em casa.
Começo a acusar a saturação. Tudo o que é demais, chateia.
Os meus pais fariam hoje 54 anos de casados. Tenho a certeza absoluta de que estariam juntos hoje, se a morte não se tivesse antecipado. Liguei para o meu pai para lhe dar um beijinho. Comoveu-se. Um casamento por procuração que a minha mãe lamentou a vida inteira, cuja mágoa conseguimos resolver com uma cerimonia nos 25 anos de casados (a minha mãe nunca se conformou por ter casado por procuração, tendo o meu avô feito o papel de noivo, estando o meu pai em Angola..). . Um casamento feliz, com 3 filhas, muito trabalho e a prova final, uma doença incapacitante que em dois anos roubou ao meu pai, a mulher da sua vida.
Tenho muito orgulho nos meus pais e na relação que tinham. Muito mesmo.
Gosto de acordar cedo, agora. Nunca gostei, mas a idade trouxe-me dificuldade em dormir e já percebi que ir dormir cedo ajuda-me na qualidade do pouco sono que faço por noite. Acordo sempre muito cedo, mesmo ao fim de semana. Nesses dias obrigo-me a ficar na cama, nem que seja a ler. Durante a semana levanto-me antes de toda a gente. E fui pouco a pouco apreciando esse tempo em silêncio, sozinha, com o meu café, antes de começar a trabalhar. Hoje ate dancei um bocadinho, a ouvir musicas boas na radio. Mas o tempo não tem ajudado nada no meu sentido de humor. Por isso vou fazendo um esforço para contrariar a tendência. Dançar, sorrir ajuda o corpo a entender que esta tudo bem. Mas não é fácil. O sol anima-me, dá-me alento. Acordar com chuva ou com nuvens, deixa-me sempre meio desalinhada.
Sinto-me cansada. O peso do confinamento esta a fazer-se sentir cada vez mais.Não gosto de me queixar, temos saúde, estamos juntos e temos uma casa confortável onde trabalhar, estudar, fazer exercício físico, conviver, fazer de conta de que esta tudo bem, que não há um vírus louco a infectar toda a gente lá fora. Mas ainda assim, sinto-me triste. Estamos há um ano neste processo, sem fim à vista. Tenho trabalhado imenso, e o tempo livre, fechada em casa, não me tem descansado. Fazem-me falta os convívios, os amigos, a família. Faz-me falta ir almoçar com o meu pai. Faz-me falta ir tomar um simples café à rua, de manhã, entre duas reuniões. Estamos 24 sobre 24 horas uns com os outros. Isto mais parece um Big Brother, mas em mau. Aqui não temos galas, não vestimos vestidos giros aos Domingos à noite, não fazemos actividades engraçadas. E por certo não vamos ganhar um prémio no final, ou ficar famosos.
Ontem o mau tempo aprisionou-nos ainda mais em casa. Janelas fechadas, casa sem arejar o dia todo. No final do dia de molenguice, estava com uma dor de cabeça horrível. Hoje o dia acordou mais risonho, embora ainda tenha chovido imenso de manhã e lá fomos para a nossa caminhada. Está tudo super verdinho nos campos, a serra tem ribeiras por todo o lado e hoje ate vimos uma cascata! No regresso, deu-me um pico de hiperactividade e fui arrumar armários da casa de banho, o roupeiro do nosso quarto, as gavetas da cómoda, a prateleira dos medicamentos. Jantamos uns camarões e sapateira comprados no regresso da caminhada. E mias um fim de semana fechados se passou. A sonhar com liberdade, todos os dias.
As Bodas de Zircão são comemoradas por aqueles que já passaram 21 anos casados, ou seja, completaram 7.671 dias de união. Simbolicamente é possível dizer que um casal casado a tantos anos tem uma relação transparente, assim como o zircão, que é sempre translúcido, apesar da variação de cores. Há quem diga que a pedra também foi escolhida para dar nome as bodas porque as múltiplas apresentações simbolizam a adaptação do casal aos diferentes momentos da vida.
in https://www.dicionariodesimbolos.com.br/bodas-zircao/
Entendo que já somos considerados um caso raro de sucesso. São 28 anos. Não é para todos. Nem tudo foram rosas, nem sempre concordámos, nem sempre nos sentimos apaixonados, nem sempre achámos que era para sempre. Mas o essencial é esta química que se sobrepõe a todos os desencontros. Esta intimidade construída a pulso. É a admiração e o respeito. Nunca nenhum de nós passou a linha intransponível que leva inevitavelmente ao fim. Nem perto disso. E acima de tudo, apesar de existirem dias em que me apetece atira-lo pela janela, eu sou muito apaixonada por este rapaz. E bendigo a sexta-feira de Carnaval em que ele decidiu ir lanchar comigo e me roubou um beijo, ao som dos Simply Red. Nunca mais o larguei depois disso.
Estou a fazer as minhas aulas diárias por zoom. Durante as primeiras semanas não me sentia muito bem, as aulas nunca mais acabavam, sentia-as pesadas, coisa que no ashrama nunca me acontecia. Pensei que era do ambiente de lá, que era isso que me faltava, dessa leveza. E da falta das colegas. Temos um grupo mesmo giro nas aulas, muito díspar em idades e actividades profissionais mas com os mesmos valores e muito divertidas. Depois percebi que a causa principal de eu achar que as aulas eram longas e intermináveis, era o facto de ter um relógio à minha frente. No ashrama, não tenho nem telefone, nem relógio, estou completamente focada no presente e na pratica. Adoro as minhas aulas acima de tudo por causa dessa "solidão", desse isolamento da minha vida, do meu trabalho, dos meus problemas e ate mesmo do tempo. É uma hora e meia de entrega a mim mesma. A partir do momento em que tapei o relógio, as aulas passaram a ser outra vez as de sempre. Não estou preocupada se falta muito ou pouco, se ainda vou fazer muitos asanas ou não. Vou vivenciando a experiência, de forma individual. Agora só falta eliminar algum ruído de fundo que vai vindo da cozinha em plena hora de preparar o jantar e fica perfeito. Bem, perfeito é praticar no ashrama, mas ainda estamos longe disso.