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Contos sem nó

As minhas histórias

Contos sem nó

As minhas histórias

23.05.20

Carta à minha irmã


Lila

Querida irmã:

Hoje sentimos especialmente a tua falta. Reunimos a família para festejar os cinquenta anos da nossa irmã Dora. O pai fez o almoço, a nossa sobrinha Ângela levou o bolo. Estivemos quase todos. Faltavas tu e o Matias. E a vossa falta encheu a casa toda. Nada foi como era antes. Aliás, tudo foi diferente das vezes que te tínhamos connosco, a dizer piadas, a dar gargalhadas, a falar pelos cotovelos. Alto, sempre alto, a atropelarmos as conversas umas das outras , a rir sem ninguém perceber nada. Num código secreto de irmãs onde mais ninguém entrava. Percebemos as gargalhadas umas das outras e hoje, faltou a tua, faltou a de todas.

Faltou-nos a tua alegria. Nesta reunião familiar, quisemos animar a Dora, mas o nosso coração está muito ferido. De qualquer forma, foi mesmo bom estarmos todos juntos, lamber as feridas e tentar sentir esperança. Aquela que só a família nos consegue dar.

Esta semana a nossa vida passou por um tsunami. Passamos os dias à espera de noticias. Não podemos estar ao teu lado nos cuidados intensivos e só o Nuno consegue visitar o Matias. Hoje conseguimos uma vitoria. O Matias já não precisa de ventilador e já esteve ao colo do pai. Recebemos muitas fotografias e enchemo-nos de esperança. Ter um sobrinho é uma bênção maravilhosa, é ser mãe outra vez, sem o termos tido na barriga. Estamos doidas para o poder ter no colo. E fica tranquila. Vamos dar-lhe todo o amor que lhe darias, ate estares pronta para o fazer.

Tu continuas a resistir a que te baixem a sedação, mas sabemos que é só uma fase. Que precisas deste tempo. Nós entendemos e respeitamos. Esta gravidez foi muito dura, com muitos contratempos.Mas, muito em breve, vais voltar a respirar sozinha e ultrapassar todos os obstáculos. Físicos e emocionais.

A tua filha esta bem. Vai passando uns dias com a tia Dora, outros com a prima Ângela, outros com o pai e com o avô. Pergunta muito por ti e não percebe porque não pode falar contigo ao telefone. Hoje comprei-lhe na ourivesaria uma pulseira de missangas, com um menino em prata. Disse-lhe que tinha sido o mano a mandar. Esta linda como sempre, e a portar-se muito bem. A Dora continua a colocar fotografias no nosso grupo de manas do whatsap. Vais poder ver os looks do dia da Margarida e as nossas conversas, agora menos parvas do que o costume. Já te estou a imaginar a gozar com o quão  lamechas estamos, a dar nomes estranhos às coisas que tiveste que fazer no hospital, a desmanchar-te a rir com os relatos do que aconteceu. És uma gozona sem remédio, também vais gozar com isto.

Nós, vamo-nos aguentando. Eu pego muitas vezes no telefone para te contar coisas que vão acontecendo. E só depois é que me lembro. Acho que acontece porque nenhum de nos percebeu ainda como foi possível estares a falar connosco na terça feira ao final do dia e poucas horas depois teres entrado nesse sono profundo do qual te custa voltar.

Mas tens que voltar. Pode ser devagar, pode ser num ritmo que nos custa de momento aceitar, porque temos urgência da tua presença. Mas tens que voltar. 

 A nossa vida só faz sentido contigo. Tudo é silencio sem a tua gargalhada. Tudo é vazio sem a tua presença. 

"Comadre Marcela? Sou eu, Severina." Não houve um único telefonema nosso na ultima década e meia que não tivesse começado assim.

Por isso, Comadre Marcela, sou eu, Severina. Estou aqui à tua espera. Como te prometi. 

 

 

22.05.20

Acreditar


Lila

Esta tem sido das semanas mais duras da minha vida. Perdi a minha mãe aos vinte anos, depois de dois anos de luta contra um cancro agressivo. A noticia da doença da minha mãe foi das vivencias mais difíceis que tive que suportar e todo o processo, uma agonia pautada pela impotência. Depois disso, nunca mais nada me fez sentir tão minúscula.

Esta semana a minha irmã mais nova, a caçula, a que criei como se fosse minha filha, deu entrada no Hospital na segunda-feira, gravida de 35 semanas e com uma cólica renal. Tinha muitas dores, vómitos, falta de ar. Pensamos até que fossem contracções, mas não eram. Ficou internada. Monitorizada com CTG. Na terça-feira, sem conseguirem abrandar as dores, decidem fazer uma pequena intervenção cirúrgica. Um dos ureteres de um dos rins estava obstruído, ou apenas a ser bloqueado pelo bebe. Tinha que se colocar um stent para que a urina acumulada e que causava as dores, pudesse sair. O nosso medico obstetra disse-me que havia pensado em fazer a cesariana, mas era muito cedo e o Matias teria de ir para a incubadora. Não valia  a pena. procedimento simples este do stent. Depois logo se faria a cesariana no tempo certo.

Á hora da entrada no bloco falei com ela, assim como durante toda essa tarde. Tinha muitas dores, estava muito rouca. Não conseguia quase falar. Por causa do covid estava sozinha.

E o pior aconteceu. Desencadeou-se o parto. O nosso medico foi para o Hospital, o CTG mostrava sinais de sofrimento do bebe. Cancela-se a cirugia, marca-se bloco para cesariana. A ultima vez que falei com a minha irmã, disse-lhe que fosse tranquila. Já vinha ai o Matias e ia tudo ficar bem.

Quando saísse da sala de partos, eu estaria no quarto à espera dela. 

A cesariana aconteceu e o Matias nasceu no dia 19 de Maio, depois das 9 da noite, com 2850g e 49cm, mas ainda assim com possibilidade de incubadora. Mãe e bebe estavam bem, segundo o nosso medico. Descansei.

No dia 20, de manhã, despertamos com a noticia de que a minha irmã estava nos cuidados intensivos, sedada e ventilada. Em poucas horas, depois do parto, fez uma pneumonia, com origem na infecção renal. Está há 48 horas em coma induzido. Ontem colocou o dito stent porque afinal, não era o nosso Matias quem lhe bloqueava o uréter. Será um calculo, não sei bem. 

O Matias esta na incubadora, também ventilado. O meu cunhado consegui vê-lo ontem, finalmente, e só depois de um teste covid negativo. Temos por fim, fotografias do nosso menino. Eu chorei como uma Madalena quando as vi. Não é um prematuro normal, parece de termo, com as bochechas iguais à irmã e à mãe. Mas os pulmões não estavam preparados ainda para esta chegada abrupta.

Meu querido Matias. 

A minha irmã continua a lutar pela vida, alheia a que o Matias precisa dos seus braços ali quase ao lado, na neonatologia, dentro da pequena incubadora. A minha irmã continua a lutar pela vida e espero que saiba que as irmãs estão aqui, (porque não podem estar lá a segurar-lhe a mão, maldito Covid) à espera de dar-lhe a ela também, o colo de que precisa.

Tem sido difícil digerir toda a situação. Como é que se passa de estar numa situação "normal", a necessitar de um stent para uma sepsis em poucas horas. É dificílimo afastar os maus pensamentos.

Esta tarde, recebi estas flores. Sem identificação. Com um único cartão que dizia ACREDITAR.

Percebi de imediato que o meu anjo da guarda, porto de abrigo de muitos e muitos anos, a minha melhor amiga, me enviava flores para me dar esperança.

Não tenho palavras para lhe agradecer tudo o que tem feito nestes últimos dias. Enquanto eu tento tolerar a minha dor,  gerir a dor do meu pai, da minha irmã mais velha, da minha sobrinha, também gravida, e a da irmã do Matias, a minha sobrinha mais doce, que todos os dias quer falar ao telefone com a mãe.

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Marisa, agarra-te à vida, minha irmã. Precisamos de ti. Precisamos das tuas gargalhadas, das tuas piadas tontas, da tua alegria contagiante.  O pai precisa de ti, da sua filha mais nova, sempre a mais mimada. Os teus filhos precisam do teu colo insubstituível.

Agarra-te à vida irmã, por favor.

Tal como te prometi, vou estar à tua espera.

Mas volta depressa.

19.05.20

Caminhadas


Lila

Têm sido diárias e desde que esta crise começou. Acho que em dois meses e uns dias (desde dia 14 de Março) não fiz caminhada apenas umas quatro vezes. Hoje fiz as contas. Fizemos 610 km em dois meses. Ontem diziam-me a minha melhor amiga (a quem dei um abraço que me fez super bem, ainda que com mascara) que estou mais magra. Deve ser disso.

 

16.05.20

Varanda


Lila

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Um dos grandes feitos do confinamento foi esta restauração do marido e do filhote. Pintaram o deck todo e a mesa da varanda. Plantaram plantas novas. Depois adicionámos um tapete e ficou mesmo baril. 

13.05.20

Nova normalidade


Lila

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Hoje já me senti menos sufocada. Mas também deve ter sido porque usei uma mascara P2, mais segura, mas menos insuportável. Daqui a uns anos vamos todas rir muito à conta desta fotografia. Dos tempos estranhos em que vivíamos uma pandemia. Vamos rir à gargalhada destas figuras que fazemos agora.

Espero.

13.05.20

2020


Lila

Nesta porcaria de ano em todos os sentidos ( a única coisa que tem tido boa é estar com o meu marido e o meu filho em casa), neste ano que nos apetece eliminar do calendário, vou ser tia (dentro de muito pouco tempo) e tia-avó (em Outubro). Dois novos elementos para viver esta loucura de mundo. 

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